A doutrina militar ensina que, durante uma invasão, o indicado é “avançar com força arrebatadora”. Embora a Rússia tenha reunido entre 150 mil e 190 mil soldados na fronteira, não usou todos eles até o momento.
Uma das razões pode ser o cálculo russo de que talvez precise usar o efetivo em fases posteriores da invasão. É normal que o Exército mantenha reservas enquanto ajusta os planos.
Autoridades ocidentais estimam que o ataque inicial envolveu cerca de metade das forças mobilizadas. A operação teve um grau de dificuldade maior por envolver ataques em várias direções.
A Rússia também não usou sua artilharia e bombardeios aéreos de forma tão intensa quanto esperado.
“Um ponto-chave é que eles estão enfrentando uma resistência ucraniana muito dura, o que não acho que esperavam”, destaca Arnold.
Ainda assim, ele avalia que os comandantes russos se adaptarão de forma célere aos contratempos.
Na mesma linha, o general Richard Barrons, ex-comandante militar sênior do Exército britânico, diz que ainda parece que os russos “vão garantir seus objetivos militares rapidamente”.
Para o general, está bem claro que os objetivos iniciais da ofensiva russa são “desarticular os militares ucranianos, remover o governo central e anexar uma porção da Ucrânia, para que seja absorvida pela Rússia“.
A questão agora é: quão difícil será isso? As forças russas parecem estar tentando cercar a cidade, mas provavelmente enfrentarão uma resistência mais dura quanto mais avançarem dentro da capital.
Em guerras urbanas quem geralmente está na vantagem é a parte atacada. As forças invasoras têm mais dificuldade em se locomover entre as ruas, onde edifícios e construções se convertem em posições defensivas. Nesse sentido, os civis também podem se tornar parte da resistência e alvos potenciais.
A guerra urbana é a mais difícil e sangrenta para qualquer Exército que avança, e requer mais recursos.
Prédio destruído em bombardeio em Kiev neste sábado: cidade segue sob controle ucraniano — Foto: Genya Savilov/AFP
O rio Dnieper forma uma barreira natural entre o leste e o oeste da Ucrânia e pode se configurar em um “limite para exploração” das forças russas, como descreve Arnold.
Se conseguirem capturar Kiev e o leste do país, em sua visão, poderia ser pouco vantajoso avançar para o oeste. Putin pode nutrir a esperança, entretanto, de que, caso suas forças tomem de fato a capital, a resistência desmorone.
Mas enquanto 190 mil soldados podem ser suficientes para realizar uma invasão, especialistas militares duvidam que o efetivo seja suficiente para ocupar o segundo maior país da Europa, com extensão territorial menor apenas a da própria Rússia no continente.
“Se a intenção de Putin era ocupar toda a Ucrânia com uma força de cerca de 150 mil soldados, isso só funcionaria se tivesse o consentimento da população”, diz o general Barrons, que foi comandante militar do Exército britânico no Iraque.
Segundo ele, embora uma parte dos habitantes se sinta próxima da Rússia no leste, qualquer governo instalado pelo regime de Putin no país teria dificuldade de governar com consentimento de uma população de cerca de 44 milhões de pessoas.
Embora a Rússia tenha forças para eventualmente derrotar o Exército da Ucrânia, acrescenta, os militares poderiam ser substituídos por uma “insurgência muito resiliente”. Qualquer expectativa de Putin de que pode controlar todo o país “pode ser um grande erro de cálculo”.